As tragédias encenadas em praça pública na antiga Grécia tinham uma função educativa, eram catárticas. Com o choque provocado pelo impacto das cenas, se esperava educar a população, mostrar o "como não ser". O bom de toda dor daquelas encenações é serem sentidas apenas no âmbito da ficção, do fingimento dos autores. Por mais que fosse impactante para a audiência, nenhum cidadão passava realmente por todas aquelas situações horrendas ali assistidas. As calamidades que adviram sobre o povo carioca nos últimos dias nada têm de ficção.Mesmo que o roteiro dê um filme recheado de dor, desespero, incertezas quanto ao futuro e perda de boa parte do passado - estrelado pelo descaso- tendo como coadjuvante a inércia do poder público, a realidade está aí para quem quer e para quem não deseja ver. Também está para aqueles que não mais a podem ver, OS DUZENTOS que quase dá também um bom nome para um Longa.
Inversalmente proporcional as tragédias de Sófocles foram os acontecimentos trágicos no Rio de Janeiro. São catárticos, ou ao menos deveriam ser, não para a população, para o poder público, ensiná-los o " como não ser". A audiência tornou-se um elenco de cenas macabras, de dores reais. Dessa vez o roteirista não será aclamado pela crítica e público como o das encenações gregas. Esse, deverá ser também protagonista e expiar como Édipo, mas sem ter os olhos cegados, parece já os ter. Deverá sofrer o mesmo desterro do famoso personagem, pois não desvendou o segredo da esfinge povo corretamente, e nas próximas eleições isso lhe será revelado. Decifra-nos ou te devoraremos.
José Aerton